Corrupção sistêmica abarca os tribunais que deveriam evitá-la
Esta não foi a
primeira vez que o TCE do Rio vira notícia por suspeita de integrar um esquema
de corrupção. Em dezembro Jonas Lopes de Carvalho, então presidente da Corte,
foi conduzido coercitivamente para a sede da Polícia Federal para prestar
depoimento após ter sido citado em delações de executivos da Andrade Gutierrez
e da Odebrecht. Carvalho seria integrante de um
grupo que cobrava propina em grandes obras no Estado, e o coordenador das
caixinhas. À época, ele anunciou que iria se licenciar do cargo por três meses.
Posteriormente, negociou um acordo de colaboração com as autoridades. A
operação deste quarta foi municiada com informações prestadas por Carvalho.
O papel dos
tribunais na cadeia da corrupção sistêmica que abarca as obras de
infraestrutura do Brasil começa a ficar cada vez mais na berlinda. O Tribunal
de Contas de São Paulo, por exemplo, também se viu citado em movimentos
suspeitos. No dia 11 deste mês um delator da Andrade Gutierrez afirmou à
Justiça que pagava propinas a juízes da Corte paulista para que não fossem
apontados problemas em licitações e contratos de obras, sobretudo os do Metrô
paulista. O ex-conselheiro do órgão Eduardo Bittencourt Carvalho, afastado do
TCE em 2011 sob a acusação de enriquecimento ilícito, seria um dos
destinatários do dinheiro, de acordo com a Folha de S.Paulo. Outros seis conselheiros
do TCE paulista também aparecem nas delações da empreiteira – muitos deles já
deixaram o Tribunal. A defesa de Carvalho negou que ele tenha praticado
qualquer irregularidade.
A desconfiança de relações promíscuas entre integrantes de
corte e empresas já se espalhou também entre os integrantes do Tribunal de
Contas da União, responsáveis por fiscalizar as contas do Governo Federal. Em
dezembro passado a residência do ministro do TCU, Vital do Rêgo (PMDB), foi alvo de
mandado de busca e
apreensão durante mais uma etapa da Operação Lava Jato. Ele é suspeito de ter
recebido uma mesada de empreiteiras para barrar a convocação de seus diretores
para depor na CPI mista da Petrobras, em dezembro de 2014. Estima-se que o
montante pago para blindar as empresas possa ter alcançado cinco milhões de
reais.
Rêgo assumiu o cargo no TCU no mesmo mês da CPI. Até então,
era senador pelo PMDB da Paraíba, mas seu nome foi indicado para a Corte pelos
colegas do Senado. Em nota, ele afirmou que "respeita" o trabalho das
autoridades, e disse que "a medida, cumprida com eficiência e urbanidade,
vai confirmar que jamais tive qualquer participação nos fatos em
apuração". Informações antecipadas por jornais, no entanto, apontam que
ele está na nova lista de Janot que chegou ao Supremo para que seja aberta uma
investigação sobre ele.
Dos nove ministros do TCU, quatro respondem a processos ou
tiveram problemas judiciais – segundo a Constituição eles têm direito a foro
privilegiado, e só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Um deles,
inclusive, já teve suas contas rejeitadas quando disputou eleições. O ministro
Augusto Nardes, que relatou o julgamento das contas de Dilma que serviu ao
processo de impeachment, responde a um inquérito penal no STF relativo à Operação Zelotes que investiga o pagamento de propinas
a membros do Conselho Administrativo da Receita Federal para anular multas
fiscais contra empresas. O processo corre em segredo de Justiça. Em nota, o
ministro informou que os fatos investigados “referem-se à atuação da empresa
Planalto Soluções e Negócios S.A da qual foi acionista até 2 de maio de 2005,
antes mesmo de assumir a vaga no Tribunal de Contas da União. Foi esclarecido
ao Supremo Tribunal Federal que, por nunca ter ocupado cargo de direção na
empresa, não pode responder pelos atos nela praticados”.
Já o vice-presidente da corte, Raimundo Carreiro Silva, é
investigado pelo Supremo Tribunal Federal em inquérito que apura lavagem de
dinheiro e recebimento de propina – Silva foi o relator do acordo de leniência
da empreiteira UTC, envolvida na Lava Jato. A assessoria do ministro informou
que ele “nunca recebeu vantagens indevidas de quem quer que seja e aguarda com
serenidade e com a consciência tranquila o resultado das investigações e a
decisão da Justiça sobre o assunto”.
Hoje, um terço dos ministros do TCU é indicado pelo
presidente da República (e posteriormente precisam ser aprovados pelo Senado),
e o restante é escolhido pelo Congresso. Da cota do Executivo, dois precisam
ser selecionados dentre auditores ou membros do Ministério Público, para dar um
perfil mais técnico ao órgão. A aparente isenção, entretanto, já foi
questionada pela ONG Transparência Brasil. “Na prática, a indicação política é
a regra na escolha de conselheiros, o que faz com que as votações nas
Assembleias, nas Câmaras e no Congresso sejam jogos de cartas marcadas – em
geral tratados com naturalidade pelos políticos”, diz a Transparência, em
relatório .
A politização da corte é evidente até porque muitos dos
indicados dos tribunais foram pinçados das trincheiras dos partidos. Seis dos ministros do TCU são
ex-políticos, e cinco têm parentesco com políticos. É o caso de
Augusto Nardes. Antes de assumir a vaga na corte em 2005, era deputado federal
pelo PP, partido com maior número de envolvidos na Lava Jato. Para Marcelo
Figueiredo, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, o sistema já vem distorcido na origem.“A Constituição
permite que haja essa movimentação do Legislativo para o TCU, é um defeito do nosso
modelo constitucional e merecia ser aperfeiçoado numa reforma”, afirma
Figueiredo. Para ele, deveria haver “uma quarentena” entre o deputado deixar a
Câmara e assumir as funções de ministro. “Ou então a pessoa deveria se declarar
impedida para julgar casos nos quais estaria envolvida”, afirma.
As exigências para o cargo de ministro facilitam essa
politização, uma vez que os critérios exigidos para que se assuma o cargo de
ministro do TCU são vagos e de difícil verificação, segundo a Transparência
Brasil: “idoneidade moral”, “reputação ilibada” e “notórios conhecimentos
jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública”. No
site do tribunal consta que ele “tem como meta ser referência na promoção de
uma administração pública efetiva, ética, ágil e responsável”.
Em nota, o TCU informou que “não há espaço para que critérios
outros que não eminentemente técnicos conduzam a decisão da Corte”, e que “a
forma como está estruturado o processo decisório no TCU repele qualquer
ingerência externa ou interna sobre o exame das matérias”. Seria esta a mesma
explicação oficial do TCE carioca. Mas, as indicações políticas são inequívocas
e abrem espaço para uma promiscuidade da Corte com o balcão de negócios da
política. O TCE do Rio parece o primeiro caso público a provar essa tese.(EL PAIS)